15 de fevereiro de 2009

Vulto

Chovia muito. A janela do quarto rangeu longamente no meio da noite, abrindo-se e tirando um dos pequenos de seu sono. Ele se virou na cama, desejando que a manta fina com que se cobria fosse suficiente para protegê-lo do vento que agora invadia o quarto. Quando já se esforçava para tornar a dormir, foi surpreendido pelo toque de uma mão gelada e trêmula. Alarmado, espiou ao redor e deu com a irmã mais nova assustada, sentada no tapete, no vão entre sua cama e a dele, puxando-o para baixo. Acabou deixando-se levar para o chão, com pena dela. Aquele era o momento de ser legal, no dia seguinte faria troças à vontade.

A coisa tá aqui dentro... – ouviu a menina sussurrar com a voz abafada e travou de medo. Caíram sobre ele de uma só vez o frio, o cheiro da chuva e o zumbido do vento na fresta da janela. Não queria acreditar que aquilo estivesse ali. Todos o haviam convencido de que não passava de imaginação, que sonhos não tinham forma...

Um relâmpago cortou a noite e uma sombra disforme se fez ver na parede para qual os dois irmãos olhavam. Estavam apavorados, sem ter aonde ir. Encolhiam-se inocentemente na esperança de estar escondidos, o nariz da menina coçando terrivelmente por causa do pó.

Então a porta se abriu, a menina espirrou, a luz se acendeu e ouviu-se um grito que não era de criança – poderia a luz ter se acendido antes de todo o resto? Alívio. De mentira. Foi como despertar de um pesadelo que se tem acordado, com a certeza de que nenhum lugar estava perto de ser seguro.

1 de fevereiro de 2009

Boneca de Neve

Jamais confessou à família o quanto a vizinha da casa ao lado o amedrontava. Nas noites de nevasca, ele a via pálida, com galhos de laranjeira no lugar dos braços, às vezes até com uma cenoura no nariz; mais um pouco, seus olhos tornavam-se dois grandes botões negros e ela própria ficava maior e maior... Como ninguém mais percebia? Cumprimentava-a respeitosamente pela manhã e passava o dia imaginando-a se derreter para tentar espantar o medo.