5 de abril de 2010

O leprechaun

(do diário de Laura Angelim)

Nunca gostei de circos. Ainda assim, quando pequena, meu pai insistia em me levar sempre que algum ia à nossa cidade. Eu teria me negado na maior parte das vezes, não fossem suas promessas de me comprar algodão doce. Passados tantos anos, a Agência me colocou outra vez em meio às lonas e crianças escandalosas.

O trabalho começou do lado de fora da tenda principal, na fila para desafiar o mágico anão. Eu melava os dedos com açúcar — algodão doce, claro — e tentava não dar ouvidos aos comentários que as pessoas faziam a respeito da aparência do mágico. Conforme minha vez se aproximava, pude observar por mim mesma aquele homenzinho enrugado, de barba e cabelos tão ruivos, sua cartola verde-musgo e um cachimbo pendendo no canto da boca. O casaco preto e as luvas certamente não constituíam um bom disfarce. Além do mais, o banquinho sobre o qual se equilibrava denunciava seu tamanho diminuto, improvável para um homem.

No caixote à frente do mágico, três canecas emborcadas e alinhadas esperavam que alguém escolhesse alguma delas para esconder uma moeda de um real. Feito isso, o anão trocava as canecas de lugar a uma velocidade impressionante, de modo a confundir seu desafiante que precisava apontar sob qual caneca estava sua moeda. Todos, sem exceção, davam seu lugar ao próximo da fila frustrados e sem seu dinheiro.

Ainda terminava meu algodão doce quando o rapagão à minha frente, inconformado por não ter conseguido adivinhar, insistia ao mágico que revelasse qual era a caneca certa, o que o homem recusava com um sorriso torto.

Lambi o melado dos dedos, saquei a arma e estourei as três canecas. Alguns escandalosos gritaram, mas descobriu-se não haver moeda alguma sobre a mesa. O mágico olhou-me horrorizado quando apontei a arma em direção à sua cabeça. Bam! Acertei-lhe a cartola, que caiu, espalhando ruidosamente alguns punhados de moedas pelo chão.

Mandei o trapaceiro erguer os braços e o revistei em busca do passaporte. Visto vencido, como se esperava. Levei-o dali, para que fosse interrogado e depois deportado para a Irlanda. As pessoas disputavam as moedas do chão quando um arco-íris iluminou de repente o céu azul, sem qualquer sinal de chuva.